quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Moralismo Árido

Esta semana tive um interessante diálogo na sala de espera de um consultório médico credenciado pelo DETRAN. Talvez por eu estar ostentando o manto corintiano, um senhor sentiu-se à vontade para puxar conversa comigo: 
"Joguei 40 reais na mega da virada! Se ganhar o prêmio vou ver o Timão na final da Libertadores." 
Batendo no escudo mais bonito de todos, eu respondi: 
"Que Deus te ouça, amigo!" 
Ele entrou de canela: 
"Ih... Acho que Deus vai ter que ficar fora dessa. Meu colega crente disse que 'jogar na loteria é coisa do diabo'." 
Confesso que não esperava por essa, por isso me limitei a dizer: 
"E o que você pensa sobre isso." 
O cara respondeu seco e direto igual ao Andres Sanchez: 
"Ele é um babaca! Hoje de manhã mesmo, o 'crentino' disse que eu era bobo por pagar tão caro para meu moleque tirar carta de motorista. Ele disse que conhecia um 'jeito' mais barato e mais rápido para tirar carta. Aí, eu não perdoei! Disse a ele, na frente de todo mundo, que ir contra a lei e comprar carta era pior do que jogar na Mega Sena."


Fariseus: sepulcros caiados
Esse diálogo me fez pensar num dos grandes maus que acompanha muitos cristãos: o moralismo árido, que "reduz juízos morais à mera norma, transformando a diversidade da vida ético-moral num apanhado de proibições" (SCHARPER). Um moralista árido reduz a Bíblia à uma lista de proibições e permissões. Esquece o que Jesus ensinou: "toda a Lei se resume no amor a Deus e ao próximo". Sem amor, qualquer cristão é apenas um "sepulcro caiado".

Quando Jesus nos envia para testemunhar, Ele deseja que sejamos sal e luz, fazendo de nossas vidas e palavras uma extensão do amor de Deus pelo mundo todo. Somos enviados parar amar, não para julgar. Ao proceder assim, "os de fora" verão que a Igreja não é lugar de "crentino", mas de pecadores redimidos por Cristo, que foram chamados pelo Espírito Santo para se compadecer da fraqueza humana e amar a humanidade. 

Ao agirmos com amor, apontar o pecado deixa de  ser um exercício de massacre legalista ou de exaltação pessoal e passa a ser um ato de compaixão e empatia. Sei que o pecado que está no outro também está em mim, por isso sou capaz de me compadecer do outro, calçar suas sandálias. Por exemplo, mesmo não sendo dependentes de crack, compadecemo-nos dos adictos porque reconhecemos que é díficil lutar contra nossos próprios vícios. Dessa forma, muito mais do que condenar aqueles que fazem sua 'fezinha' na Mega Sena, iremos nos preocupar com aqueles que são prejudicados pela atual configuração do sistema financeiro, que possibilita o lucro desumano de muitos especuladores - estes sim, os verdadeiros "jogadores" perversos.

Compadecer-se do outro, denunciar a exploração do próximo e lutar para amenizar o sofrimento alheio é uma das formas de testemunhar o Cristo crucificado sem cair na tentação do moralismo árido. Assim  agindo, encarnaremos a vida de Cristo em favor do mundo e anunciaremos que o "Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido" (Lucas 19.10).

Rev. Mário Fukue


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